A Portaria SPA/MF nº 2.217/2025, publicada no Diário Oficial da União no dia 30 de setembro, gerou debate no setor de apostas e jogos online. A norma, publicada pela Secretaria de Prêmios e Apostas do Ministério da Fazenda (SPA/MF) em conformidade com decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), proíbe beneficiários do Bolsa Família e do Benefício de Prestação Continuada (BPC) de participarem de apostas de quota fixa, medida que tem gerado tanto apoio quanto críticas.
A justificativa oficial é proteger populações vulneráveis do risco de dependência financeira e do uso de recursos assistenciais em jogos. Para assegurar o cumprimento, a Instrução Normativa nº 22/2025, publicada ontem, 1, determinou que as operadoras consultem regularmente o Sistema de Gestão de Apostas (SIGAP). Caso identifiquem beneficiários, devem encerrar a conta em até três dias e devolver os valores depositados. Se não houver movimentação em 180 dias, os recursos vão para o Fies e o Funcap, conforme previsto na Lei nº 14.790/2023.
IBJR apoia a medida em prol de defesa da proteção social
Para o Instituto Brasileiro de Jogo Responsável (IBJR), a medida representa um avanço na proteção de grupos mais frágeis. A entidade defendeu que recursos destinados à subsistência não devem ser usados em apostas.
“Entendemos que programas sociais como o Bolsa Família e o BPC têm a função de garantir necessidades básicas, e não podem ser confundidos com lazer. Apoiar essa restrição significa construir um ecossistema sustentável e responsável”, afirmou em nota.
O instituto reforçou ainda que, independentemente da restrição, é necessário intensificar o combate ao mercado ilegal, onde não há qualquer tipo de monitoramento ou proteção ao consumidor.
Críticas do setor de apostas online: constitucionalidade do ato
Por outro lado, entidades e advogados também discordam da medida e afirmam que houve uma leitura equivocada da decisão das ADIs 7721 e 7723, que vedavam apenas o uso dos valores dos benefícios sociais em apostas, mas não a participação dos beneficiários com outros recursos.
A advogada Yasmin Farias, em parecer jurídico, reforçou o argumento. Em sua visão, a portaria é formalmente válida, já que cumpre ordem judicial e se apoia na competência legal do Ministério da Fazenda. Contudo, apresenta fragilidades materiais.
Para ela, “a portaria ampliou o alcance do comando judicial: a decisão do STF restringiu-se ao uso dos recursos assistenciais, enquanto a norma administrativa vedou, de forma geral, a participação de todos os beneficiários do PBF e do BPC, ainda que utilizem outras fontes lícitas para apostar. Essa extensão suscita uma análise mais detida à luz dos princípios constitucionais, em especial a legalidade e a reserva legal (art. 5º, II, CF), a isonomia (art. 5º, caput, CF), a dignidade e autonomia da pessoa humana (art. 1º, III, CF) e a proporcionalidade”.
O presidente da Associação Nacional de Jogos e Loterias (ANJL), Plínio Lemos Jorge, alerta que a medida pode gerar um efeito contrário ao desejado: “Ao invés de proteger os beneficiários do Bolsa Família e do BPC, acabaria empurrando apostadores para o mercado ilegal, sem mecanismos de jogo responsável, sem limites de tempo ou gastos e fora do alcance da fiscalização estatal. Aumentam assim os riscos de endividamento e jogo irresponsável”.
O mesmo ponto foi levantado pela advogada Ana Bárbara Costa Teixeira, que considerou a medida “ineficiente”, pois, ao excluir os beneficiários de apostar no ambiente regulamentado, isso os deixaria “à mercê do mercado ilegal e suas práticas abusivas, sem qualquer proteção oficial”.
Segundo Farias, a medida também pode provocar estigmatização de grupos vulneráveis e resultar no efeito inverso: “A proibição categorial extrapola os limites do comando judicial e restringe de forma desproporcional o acesso de pessoas a uma atividade lícita, ignorando alternativas menos gravosas e mais eficazes de jogo responsável, tais como: controle da origem dos depósitos, imposição de limites graduais de gasto, monitoramento comportamental e adoção de intervenções progressivas”.
Alternativas regulatórias
O parecer ainda sugere soluções menos restritivas e mais eficazes, alinhadas a padrões internacionais de regulação.
“A proteção de jogadores vulneráveis não deve ocorrer pela exclusão automática de categorias sociais, mas por instrumentos como monitoramento contínuo, identificação de padrões de risco, limites graduais de depósito e intervenção progressiva”, explicou.
A advogada citou como exemplo o modelo britânico, supervisionado pela Gambling Commission, em que operadores são obrigados a identificar comportamentos de risco e fazer uma intervenção direta com alertas, contatos preventivos, suspensões temporárias e, em casos graves, exclusão definitiva.
Teixeira afirmou que o mais eficiente seria “que tais apostadores fossem identificados no processo de KYC e sua atividade devidamente monitorada, consoante disposto pela Portaria SPA/MF nº 1.231/2024, e na identificação de padrões de comportamento de risco (apostas de valores incompatíveis com a renda), serem adotados os mecanismos de contato e apoio ao apostador, podendo levar à suspensão ou mesmo o bloqueio da conta nos termos da regulamentação”.
Próximos passos
O prazo para adaptação às novas regras é de 30 dias, e o descumprimento poderá resultar em sanções previstas na legislação.
Caso seja identificado que o usuário recebe Bolsa Família ou BPC, o operador deverá comunicar o motivo ao apostador e oferecer prazo de dois dias para a retirada voluntária dos valores depositados. Se o saque não ocorrer, a empresa terá de devolver os recursos.
Em situações em que não houver movimentação ou resposta em até 180 dias, os valores bloqueados serão destinados ao Fundo de Financiamento Estudantil (Fies) e ao Fundo Nacional para Calamidades Públicas (Funcap), conforme previsto na Lei nº 14.790/2023.
A norma também proíbe que os operadores façam publicidade ativa ou qualquer comunicação com beneficiários excluídos, além de vedar o uso de dados para fins distintos dos previstos pela SPA.
Confira o parecer completo.
A Portaria SPA/MF nº 2.217/2025, publicada no Diário Oficial da União no dia 30 de setembro, gerou debate no setor de apostas e jogos online. A norma, publicada pela Secretaria
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