Nesta segunda-feira, 27, a Prefeitura de Bodó (RN) decidiu suspender as atividades da Loteria Municipal de Bodó (LOTSERIDÓ). A medida citou a Nota Técnica nº 215/2025 da Secretaria de Prêmios e Apostas (SPA/MF), que reafirma a falta de base legal para a atuação municipal no setor. Somado a isso, o prefeito da cidade também afirmou ter encontrado irregularidades na oferta de apostas de quota fixa da loteria.
Para o advogado Caio Loureiro, sócio do escritório TozziniFreire Advogados, a decisão pode servir como precedente jurídico no Supremo Tribunal Federal (STF), que ainda analisará o tema.
“É relevante, pois Bodó se notabilizou pelo alcance das suas autorizações, chamando a atenção do setor. Na última lista, 18 empresas estavam autorizadas pela Prefeitura. Não por acaso, o município foi um dos arrolados na ação em curso no STF”, destacou.
Embora o caso tenha grande repercussão, Loureiro afirma que “de imediato, é possível que outros municípios sigam pelo mesmo caminho”, mas que não acredita que “a decisão de Bodó – mesmo que relevante – indique um direcionamento dos municípios. É possível que a maioria dos que já estão com ações em curso aguarde a decisão do Supremo”.
Loureiro avalia que o reconhecimento público de possíveis irregularidades por parte do próprio município pode pesar na análise da Corte.
“O fato de um Município reconhecer eventual irregularidade na prestação de serviços lotéricos demonstra que, mesmo entre os municípios, não há unanimidade”, analisou.
Ele lembra que outros casos semelhantes já ocorreram em diferentes regiões do país: “É preciso mencionar, nesse ponto, que há casos de municípios que vetaram a prestação, sob o argumento da irregularidade. É o caso, por exemplo, de Ribeirão Preto (SP), no qual o prefeito vetou a lei aprovada pela Câmara”.
Para o advogado, esses precedentes podem reforçar o argumento de que as loterias municipais não têm amparo jurídico e que “ajudam os que defendem que a prestação de serviços lotéricos municipais não é autorizada e pode ser levada em consideração pelo Supremo na sua análise”.
De quem é a responsabilidade pela loteria de Bodó?
A suspensão da LOTSERIDÓ, segundo Loureiro, pode ser interpretada de duas maneiras: como uma medida preventiva e, ao mesmo tempo, como um ato que ainda pode gerar questionamentos futuros.
“Do ponto de vista de responsabilização do gestor, acaso a tese de ilegalidade da prestação municipal prevaleça, a decisão por cancelar as autorizações pode servir como meio de defesa se eventualmente o prefeito for questionado pelos órgãos de controle”, explicou.
Por outro lado, ele pondera que a decisão não isenta completamente o gestor de eventual responsabilização, pois “mesmo tendo tomado essa decisão, ele ainda pode responder pelo fato de ter celebrado os contratos”.
Ainda assim, Loureiro considera improvável que prefeitos sejam punidos administrativamente. O advogado entende que a atuação das prefeituras se baseou em uma interpretação legítima do cenário jurídico vigente.
“É razoável a tese de que a oferta dos serviços estava baseada numa interpretação do arcabouço jurídico, especialmente do acordão do STF que quebrou o monopólio da União. Mesmo que essa posição saia derrotada, parece-me que responsabilizar os gestores seria uma atitude muito extremada, justificável apenas diante de outros fatores que possam indicar uma conduta indevida por parte dos prefeitos e demais autoridades envolvidas”, afirmou.

Riscos e possíveis indenizações
Questionado sobre os riscos para os municípios que ainda mantêm loterias ativas, Loureiro aponta possíveis ações judiciais por parte dos operadores autorizados ou que operem concessões.
Ele explica que, embora as autorizações municipais sejam precárias, ainda existe margem para pedidos de ressarcimento: “Apesar de ser possível justificar o caráter precário das autorizações – salvo quando a normativa específica de cada uma delas dispor de modo diverso – o operador autorizado poderá pleitear alguma espécie de indenização pelos prejuízos sofridos”.
Nos casos em que o serviço foi concedido formalmente, o risco é ainda maior, pois “a legislação geral concede ao concessionário o direito de ser indenizado pelos investimentos não amortizados, sempre que os contratos forem encerrados antecipadamente por causa que não lhe possa ser imputada”.
Nessas situações, afirma Loureiro, “o direito do operador à indenização é mais robusto e os municípios que tiverem delegado a prestação dos serviços lotéricos por meio de concessão poderão ter que indenizar os concessionários”.
Há também o risco de responsabilização administrativa caso os órgãos de controle interpretem que a decisão do gestor de autorizar ou conceder serviços lotéricos foi temerária, considerando a discussão sobre a irregularidade dessa prestação.
Consequências de uma decisão do STF
Se o STF decidir que os municípios não têm competência para operar loterias, Loureiro afirma que os contratos e credenciamentos existentes deverão ser extintos, mas que “o STF pode modular os efeitos da decisão, isto é, estabelecer se a decisão alcançará contratos vigentes ou apenas novas contratações”.
Esta não seria a primeira ocasião deste modelo. A Corte, relembrou, já adotou diferentes posturas em julgamentos anteriores, como no julgamento da Ação Cível Originária (ACO 3696), que discutiu a proibição da atuação da Loteria do Estado do Rio de Janeiro (LOTERJ) para autorizar operadoras além dos limites estaduais.
A pedido da União, o STF determinou que a LOTERJ alterasse disposições do edital e dos contratos celebrados com operadores estaduais. Na época, os ministros do Supremo Luiz Fux e Dias Toffoli abriram divergência para permitir que os contratos vigentes continuassem a viger até o julgamento definitivo. Apesar disso, o advogado considera improvável que o mesmo entendimento seja aplicado agora.
“Particularmente, parece-me um contrassenso estabelecer que os contratos vigentes antes de uma decisão que reconheça a ilegalidade das loterias municipais continuem válidos após essa decisão. Ao contrário da decisão da LOTERJ, a ADPF em curso alcança a legitimidade de leis e atos autorizativos, o que torna mais necessária a interrupção da situação jurídica tida como irregular”, afirmou.
Possível reação do Ministério da Fazenda
Por fim, Loureiro comentou se o apontamento de inconsistências pela SPA/MF na operação da LOTSERIDÓ – como a suposta oferta irregular de apostas de quota fixa – pode levar a uma atuação mais ampla do governo federal.
“Em tese, pode sim. Contudo, até aqui, o Ministério tem adotado uma postura muito cautelosa – tida por muitos como leniente, até – no enfrentamento com os entes subnacionais. Mesmo o tema da LOTERJ, que há muito causava discussão e impactos nos operadores autorizados pela SPA, levou tempo até finalmente ensejar uma ação efetiva, por meio da já mencionada ACO”, relembrou.
Diante disso, o advogado considera improvável uma reação imediata: “Dentro dessa conjuntura, não me parece crível que o Ministério, via SPA, adote ações mais assertivas apenas pelo precedente de Bodó. O mais provável é que a atuação se atenha à manifestação já apresentada pela AGU na ADPF 1212, posicionando-se contrariamente à legalidade das loterias municipais”.
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